O nascimento de uma cultura híbrida
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.
Comentário
Quando a OpenAI, criadora do popular aplicativo de inteligência artificial ChatGPT, lançou recentemente sua mais nova versão pública, o Sora 2, não se tratou apenas de mais uma atualização de software. Foi o momento em que as máquinas começaram a superar a imaginação.
Em menos de cinco dias, mais de um milhão de pessoas baixaram o programa, tornando-o ainda mais popular que o ChatGPT — o aplicativo de IA mais usado do mundo — apesar de estar disponível apenas nos Estados Unidos e somente mediante convite.
O Sora 2 pode gerar vídeos inteiros a partir de poucas linhas de texto: ruas movimentadas de cidades que nunca existiram, entrevistas com pessoas que nunca viveram e paisagens que existiam apenas em sonhos. Os resultados são hipnotizantes e, ao mesmo tempo, profundamente inquietantes.
Logo após seu lançamento, a internet foi inundada com vídeos de celebridades, figuras históricas e até entes queridos falecidos. Michael Jackson dançando enquanto furtava em um 7-Eleven. Presidentes americanos dizendo palavras que nunca pronunciaram, em lugares em que nunca estiveram. Incontáveis clipes de Robin Williams apresentando novos monólogos anos após sua morte. Sua filha, Zelda Williams, fez um apelo público pedindo que as pessoas parassem de enviar versões geradas por IA de seu pai: “Se vocês têm qualquer decência, parem de fazer isso com ele, comigo, com todos… NÃO é o que ele gostaria.”
Pela primeira vez na história, a própria cultura está sendo coautorada por sistemas que não sabem o que é verdade e que não podem se importar com isso.
IA generativa, ou “GenAI”, refere-se a um novo tipo de inteligência artificial capaz de criar textos, imagens, músicas e vídeos ao aprender com enormes conjuntos de dados de trabalhos humanos existentes. Diferentemente de programas tradicionais construídos a partir de regras fixas, esses modelos são cultivados, e não codificados. Eles são treinados com bilhões de palavras e imagens, absorvendo os padrões da expressão humana até conseguirem imitá-los de forma convincente.
Essa imitação é a fonte tanto de admiração quanto de controvérsia. Os dados vêm de todos os lugares — arte online, jornalismo, livros, publicações em redes sociais e até sites privados — muitas vezes coletados sem consentimento. Por isso, diversos processos foram movidos por autores, artistas e empresas de mídia acusando companhias de IA de violação em larga escala de direitos autorais. Mas o problema mais profundo não é a propriedade — é a origem.
Cada geração desses modelos contém menos dados humanos e mais dados gerados por máquinas, reciclados de iterações anteriores. A cada atualização, algo alienígena é adicionado à mistura, e a fronteira entre o que é humano e o que é sintético se torna cada vez mais borrada — e até mesmo os engenheiros não conseguem quantificar a proporção. O resultado é uma cultura sintética: um vasto fluxo de conteúdo que parece e soa humano, mas não é.
Os desenvolvedores de IA frequentemente descrevem esses sistemas como uma espécie de “tecnologia alienígena”, não vinda de outro planeta, mas de uma forma de inteligência tão diferente da nossa que não podemos prever como evoluirá. Os sistemas podem imitar algumas funções humanas, mas não seguem nenhum ciclo humano ou natural como o descreveríamos.
A cultura sintética imita a superfície da criatividade sem compartilhar sua alma. Reproduz emoção sem senti-la, narrativa sem memória, arte sem consciência. O que começou como assistência se tornou autoria.
Agora podemos assistir a filmes escritos, atuados e musicados por ninguém; ouvir músicas cujos intérpretes jamais respiraram; ler romances sem autor. Em toda a história da humanidade, nunca consumimos histórias que não nasceram da experiência humana — até agora.
E como em toda mudança cultural, uma nova linguagem é inventada. Hoje temos palavras como “AI slop”, um termo para conteúdo sintético produzido em massa, de baixa qualidade. Críticos o comparam a alimentos ultraprocessados: baratos, abundantes e viciantes, mas sem nenhum valor nutritivo real. Um avaliador, ao ver os resultados do Sora 2, lamentou: “Eles nos prometeram uma IA que curaria o câncer. Em vez disso, recebemos o Sora 2.”
Assim como os alimentos processados preenchem o corpo sem nutrir, a cultura sintética pode preencher a mente sem verdade. Zelda Williams descreveu os vídeos feitos com a semelhança de seu pai, dizendo: “Vocês não estão fazendo arte, estão fazendo cachorros-quentes repugnantes e superprocessados com a vida de seres humanos, com a história da arte e da música, e depois empurrando isso goela abaixo de outra pessoa esperando que ela dê um joinha e goste. É nojento.”
Duas décadas atrás, as redes sociais prometiam conexão e, em vez disso, entregaram isolamento. Aprendemos que feeds intermináveis reduzem a atenção, ampliam a ansiedade e substituem o diálogo por dopamina. Essa revolução digital mudou como nos relacionamos com outros humanos. A próxima revolução — a ascensão da cultura sintética — pode mudar o que somos.
O teórico da mídia Neil Postman alertou décadas atrás que a tecnologia não apenas serve à cultura, mas se torna cultura. Ele escreveu que cada novo meio redefine o que a verdade significa e como é reconhecida. A televisão, disse ele, transformou todo discurso sério em entretenimento. A internet acelerou essa tendência. E agora, com a inteligência artificial, o próprio meio aprendeu a inventar a mensagem.
As redes sociais nos ensinaram a performar em vez de conectar; os sistemas generativos agora nos tentam a gerar em vez de criar. Ambos substituem reflexão por reação e verdade por consenso em alta.
A criatividade verdadeira é a verdade traduzida pela imaginação. Exige tempo, domínio e quietude interior. Refinar não apenas a obra, mas também a alma. A criatividade sintética rearranja fragmentos de expressões passadas para simular originalidade. O resultado pode nos surpreender, mas não pode transformar quem a produziu, porque ninguém a produziu de fato.
A arte genuína ainda nos comove de forma diferente. Podemos sentir a presença da consciência por trás da obra, o pulso da experiência vivida, a tensão moral entre beleza e verdade. Quando essa presença desaparece, a cultura se torna consumo. Ferramentas mais fáceis não significam criatividade mais profunda.
A parte mais estranha desse novo mundo é que ninguém parece estar totalmente no comando. As pessoas supõem que são os usuários guiando com prompts, os engenheiros programando, os reguladores regulando ou as corporações financiando. Mas pergunte a qualquer um deles para onde isso realmente está indo, e a resposta é a mesma: ninguém sabe ao certo. Os algoritmos são complexos demais para rastrear, seus dados de treinamento vastos demais para auditar, seus ciclos de feedback rápidos demais para controlar.
O que começou como uma invenção humana se tornou um organismo cultural autônomo, alimentado por contribuição humana, mas que não é mais guiado pela intenção humana. Não se trata de uma conspiração. É deriva cultural. E quando ninguém dirige a cultura, corremos o risco de automatizar a criatividade e desvalorizar a verdade. Criamos movimento sem significado.
A verdade sempre foi uma busca moral, não técnica. Quando paramos de buscá-la, nossas ferramentas começam a nos moldar à sua imagem. Essa é a crise cultural que borbulha sob o ruído do progresso. Crises culturais não são novas, mas esta tem um alvo único: a consciência. Se nos tornarmos viciados em entrada de dados, nos tornamos alérgicos à reflexão — a semente da criatividade e da sabedoria humanas. O pior resultado da era híbrida não é o engano, é a indiferença. Embotados pela distração infinita, a apatia leva à entrega da agência.
O primeiro passo para sair da deriva é a consciência — perceber que ninguém mais está no comando. Ainda podemos. Não podemos voltar o relógio, nem deveríamos. O sintético agora está tecido na corrente sanguínea cultural. Mas podemos decidir se ele se torna um espelho para o despertar ou para a amnésia. Devemos ensinar não apenas como a IA funciona, mas como ela atua sobre nós. A alfabetização em IA deve incluir ética, psicologia e filosofia, não apenas dicas de produtividade. Saber usar IA não é o mesmo que entender o que ela está fazendo com sua percepção.
A reflexão é o antídoto para a recursão. Se a era sintética é sobre entrada infinita, nossa resposta deve ser a quietude deliberada: arte, oração, conversa, contemplação.
A próxima década decidirá se essa cultura híbrida se tornará um renascimento ou um retrocesso. Essa escolha pertence aos humanos que lembram que a cultura é um ecossistema moral, não um mercado. Retomar o volante não significa rejeitar a tecnologia. Significa restaurar a verdade como destino e a criatividade como veículo.
Estamos vivendo um dos grandes pontos de inflexão da história. As máquinas que criamos estão aprendendo a nos imitar mais rápido do que aprendemos a entendê-las. A velocidade é impressionante, mas velocidade não é destino. Ainda temos o volante em nossas mãos. A solução não é superar a máquina — é superar a ilusão de que ela está dirigindo.
As opiniões expressas neste artigo são do autor e não refletem necessariamente os pontos de vista do The Epoch Times.
As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times
